Por Mateus Machado
Elenco: Éricka Leal, Evelyn Klein, Mara Heleno, Juliana Sanches e Tatiana Caltabiano (Foto: Mateus Machado)
Cada uma delas estava lá, separada nos cantos da sala, vestidas em branco e tons suaves que davam contraste na intensidade de seus olhares. Cada uma, ao mesmo tempo tão próxima e distante, me convidava a ver suas dores e desejos, e a ouvir suas histórias. À medida que a peça se desenrolava, sentia-me cada vez mais ligado a elas, como se seus sentimentos fossem grudados em mim: repressão, alegria, ansiedade, tristeza, raiva. Essas emoções se misturavam, ecoando de forma palpável, quase dolorida, e eu percebia o quanto cada um de nós, de alguma forma, já havia tocado nesses sentimentos com nossos antepassados.
Quando uma delas falava, era como se o tempo se diluísse, levando-me diretamente ao século XIX e, ao mesmo tempo, de volta ao presente. As histórias de abuso, preconceito, imposições — tantas realidades que ressoam até hoje. Eu estava sentado ali, mas sentia que estava preso com elas, carregando uma solidão coletiva, onde cada palavra, cada expressão de dor e raiva, parecia a minha própria. Senti o peso de um sonho não realizado, de uma vida reprimida, do medo e da injustiça. Senti o nó na garganta quando uma delas falava sobre o toque invasivo de um médico, e não pude evitar o desconforto que subiu até os olhos e desceu ao estômago.
E, então, veio Evelyn Klein, tão poderosa e inquieta, falando alto e ocupando cada canto daquele espaço com sua fúria justa, com sua urgência. Era como se gritasse não apenas por si, mas por todas as vozes femininas que foram silenciadas, por todas as injustiças que ficaram na memória de tantas mulheres. A força dela reverbera, eu sentia como se suas palavras se entrelaçassem ao meu próprio desejo de mudança, de liberdade, de voz.
A peça era um diálogo sem barreiras, uma intimidade construída no olhar e no toque. Em determinado momento, uma das atrizes puxa as mulheres para dançar, quase abraçando cada uma delas em um misto de ternura e desespero. Ao mesmo tempo, lá estava uma mulher de 62 anos, Dona Inês, uma mera espectadora aposentada que ao sentar-se ao lado de uma das personagens foi, de repente, parte da história. Ela, uma espectadora, virou personagem. E ao final, quando uma das atrizes a pediu em casamento, o momento foi de pura emoção, ela, as lágrimas, todos nós, tocados por uma sensação de amor e esperança que nos unia naquela sala, quase como se fossemos uma só pessoa.
Ao sair, carregava no peito uma mistura de amor, raiva e empatia. Luiz Fernando Marques, o diretor, compartilhou comigo que a peça havia viajado o mundo, mas que o preconceito e a luta ali representados nunca envelhecem. Aquela experiência ficou comigo, me fez pensar na atemporalidade dessas dores e sonhos femininos, e em como essas mulheres, mesmo presas, mesmo silenciadas, encontraram sua forma de gritar, de lutar, de existir.
Hysteria é mais do que uma simples peça de teatro, é uma experiência profunda que convida o espectador a mergulhar no universo emocional de cinco mulheres presas em um hospício no século XIX. A produção utiliza um cenário minimalista e uma atmosfera sufocante para dar vida a temas densos como abuso, repressão e o peso das expectativas sociais sobre a mulher.
O relato final dos espectadores, profundamente afetado pela performance, revela como a narrativa transcende o palco e provoca uma reflexão genuína sobre questões femininas que, embora históricas, ainda são dolorosamente atuais. Destacando a intenção de quebrar barreiras, trazendo à tona o poder da empatia.
Cada cena revela o quanto o teatro pode ser uma ferramenta de transformação e conscientização. Atuações poderosas, canalizam a raiva, a alegria, e o sofrimento coletivo de gerações de mulheres silenciadas. "Hysteria" provoca, comove e desperta, deixando no público o sentimento de que essas vozes, mesmo vindas do passado, têm o poder de ecoar e inspirar o presente. Uma peça que é, sem dúvida, um chamado à reflexão e mudança.
*Esse texto reflete a opinião pessoal do autor.